Como uma mulher se sente num curso de computação? Para saber a resposta dessa pergunta, fomos ouvir algumas meninas que encararam ou ainda encaram uma sala de aula nessa área, predominantemente masculina. E se fôssemos resumir o resultado das nossas buscas numa imagem, seria a de uma mulher na corda bamba, com uma multidão torcendo para que ela perdesse o equilíbrio a cada passo.

A metáfora pode parecer exagerada, mas se confirma quando olhamos para os números. Nos últimos anos, as mulheres brasileiras perderam representatividade nos cursos relacionados à computação e, em 2013, passaram a representar apenas 15,53% dos ingressantes, segundo o Censo da Educação Superior. Destas, apenas 13,6% chegam a concluir o curso.

O cenário é semelhante ao redor do mundo: em média, menos de 5% das meninas pensam em seguir uma carreira em computação ou engenharia. Esses dados, publicados no estudo “O que está por trás da desigualdade de gênero na educação?”, do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), ficam ainda mais angustiantes quando se constata que os pais dos estudantes esperam menos que suas filhas trabalhem em campos relacionados à ciência, à tecnologia, à engenharia ou à matemática do que seus filhos. E isso acontece mesmo quando ambos obtêm desempenho em matemática muito semelhante.

Depois de ir contra todos esses números, a mulher que enfrenta a sala de aula nesses cursos acaba se deparando com mais um obstáculo: a falta de credibilidade gerada pela estereotipação das diferenças de gênero. Situações de humilhação, objetificação e preconceito regam relatos de meninas que, diariamente, lutam por um espaço na tecnologia.

“Desenvolver uma carreira em computação, área predominantemente masculina, é um grande desafio para a maioria das mulheres, que começa antes mesmo da entrada na universidade e geralmente se estende por toda a vida”, analisa Mayara Viana, psicóloga e recrutadora na Gemalto, empresa de segurança digital. Na graduação, ela pesquisou estereótipos femininos no mercado. O primeiro deles é de que “mulher não sabe programar” e, por consequência, “TI é trabalho de homem”.

A pesquisa de Mayara também apontou que as mulheres costumam ser julgadas como não suficientemente competentes para assumir áreas técnicas, são mais direcionadas para tarefas administrativas do que os homens, são isoladas dentro de uma equipe em que a maioria é do sexo masculino e demoram mais para conquistar credibilidade no trabalho.

A manifestação do preconceito de gênero
Ele começa desde cedo, ainda na faculdade, quando familiares não apoiam a escolha do curso, professores subestimam a capacidade das alunas e colegas de sala e de trabalho (incluindo chefes) diminuem o mérito e questionam as habilidades com piadas e comentários. Tudo isso, combinado à falta de referências femininas nos ambientes em que a computação reina, desfavorece o incentivo às meninas no ingresso e permanência na área.

Em 2008, quando Beatriz (nome fictício*) tinha 25 anos e entrava no curso de Engenharia da Computação em uma universidade federal, apenas duas mulheres compunham o quadro de 30 alunos da turma. Sua colega desistiu no primeiro semestre. “Nunca soube o que fez ela sair, mas ela sofria muito bullying e era muito jovem. Eu já estava ‘acostumada’ com o preconceito porque tinha cursado alguns semestres de Engenharia Elétrica e sido estagiária na área. Na época, em uma entrevista de emprego, um gerente me disse que os meninos estavam querendo uma mulher no setor para dar uma descontraída, por isso, teve que entrevistar meninas. Minha própria mãe dizia para eu trocar de curso porque esse era muito difícil. Não encontrei apoio em lugar algum.”

Antes de chegar à metade do curso, Beatriz pediu transferência para Administração. “Acho que os motivos que levam as meninas a largar a carreira na área de computação são diferentes dos que levam os meninos. Eles, em um determinado momento, percebem que não era bem aquilo que queriam e vão embora, mas as meninas enfrentam outras dificuldades. Então, dizer exatamente porque cada uma largou é difícil. No meu caso, foi por decepção”, reflete.

Bruna dos Santos, 21 anos, aluna do primeiro ano de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, da Universidade Paulista (Unip), conta que o preconceito por ter escolhido a área de computação é frequente, dentro e fora das salas de aula. “Assédio, machismo, muito bullying e exclusão. Já tive professor que disse que as meninas tinham que estar na aula de corte e costura e que uma pessoa como eu, uma mulher, nunca iria me formar. Ele falou que nunca assinaria meu diploma porque eu não era qualificada”, diz.

Relatos parecidos com o de Beatriz e Bruna se multiplicam. Aos 14 anos, Amanda Martinatti, hoje com 20 e aluna do segundo ano de Engenharia Eletrônica, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), começou um curso técnico em informática. Sua turma era composta por nove meninas e 31 meninos. “Constantemente, ouvíamos piadinhas dos colegas sobre estarmos indo mal nas matérias por sermos mulheres. Às vezes, até mesmo professores insinuavam isso.” Já Leila Aparecida da Silva, 18 anos, aluna do primeiro ano de Engenharia da Computação, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), nunca viveu uma situação parecida, mas ouviu muitos relatos de colegas. “Querendo ou não, é desconfortável ser uma das únicas garotas em uma sala cheia de homens ou, pior, a única. Qualquer erro vira motivo de piada e sempre pensamos duas vezes antes de tirar uma dúvida”, diz.

Valter Vieira de Camargo, professor do Departamento de Computação e coordenador do curso de Ciência da Computação da (UFSCar), conta nunca ter presenciado ou recebido reclamações de alunas que passaram por algum tipo de discriminação. Mas, ao conversar com duas estudantes, entendeu que casos de bullying ou preconceito acontecem nos bastidores. “Não posso responder pelos outros 931 cursos de computação existentes no país, mas, pelo menos no nosso, tenho absoluta certeza de que isso não é comum. Mas, infelizmente, vi que ocorre, ainda que com pouca frequência”, diz.

E o que as mulheres devem fazer se sofrerem esse tipo de discriminação dentro da universidade? “Acho que o primeiro passo é reagir prontamente no momento da discriminação. Depois, é preciso procurar a coordenação do curso para que se averigue o ocorrido e se tome as devidas providências. Nâo falar ou não fazer nada a respeito faz com que o problema continue”, diz Valter.

Lugar de mulher é em todo lugar
Apesar de saber que são tão capazes quanto os homens de estudar e atuar na área da computação, as mulheres convivem com muitos estímulos que dizem o contrário. “Toda hora dizem que somos incapazes e que o lugar de mulher não é ali. Mas lugar de mulher é em todo lugar e sempre vai ser. Sem representatividade, as meninas mais novas que têm grande desejo de ir para exatas não têm quem as impulsione e mostre que elas podem fazer o que quiserem”, diz Bruna, aluna da Unip.

“Se eu fosse dar uma dica para quem está começando, diria para ter sempre em mente suas motivações e procurar pessoas que vão te estimular e ajudar a superar medos e inseguranças. É patético aceitar que programação é coisa de meninos. Quem estuda um pouquinho de história da computação sabe que ela foi formada com um núcleo feminino muito forte”, incentiva Alexandra Silva, 26 anos, mestranda em Ciências da Computação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para quem não tem esse suporte em casa ou no círculo de amigos, vale ir atrás de grupos de incentivo a mulheres na tecnologia, nas próprias faculdades ou online, como aqui, na Programaria.

Valter destaca que, tanto no Brasil quanto no mundo, o número de projetos que possuem o objetivo de debater o tema e atrair as meninas para a computação está crescendo. “A Sociedade Brasileira de Computação (SBC) possui um programa chamado Meninas Digitais, que olha com carinho para todos os aspectos deste assunto”, aponta. O professor também cita outras iniciativas como o Woman@Comp, que acontece na UFSCar, o  PyLadies e o projeto Emílias – Armação em Bits, da UTFPR, apoiado pelo edital Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Algumas redes de apoio surgem também de iniciativas pessoais, como no caso de Anna Giselle Ribeiro, 30 anos, graduada em Ciências da Computação e pós-doutoranda na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Depois de uma experiência de um ano numa faculdade do Canadá, onde se associou ao grupo “Women in Engineering” (Mulheres na Engenharia), Anna viu que podia trazer outra perspectiva para as colegas que compartilhavam da angústia de se sentirem sozinhas. Quando voltou para o Brasil, começou a produzir eventos de valorização da área de tecnologia direcionado às meninas. “Senti que precisávamos nos unir, criar nossa rede, nosso mundo. Se tivermos barreiras internas, vamos sofrer preconceitos na faculdade e no trabalho. É mais difícil mudar o jeito do outro agir, mas podemos mudar nosso comportamento e nossa decisão diante disso. O nosso caminho pode ser mais difícil, por sermos minoria, mas não é impossível. Juntas, podemos ir muito mais longe.”

*Nome alterado para preservar a identidade da entrevistada


Laís Semis, graduada em jornalismo e livre-docente em ensinamentos da vida. Seu trabalho pode ser conferido em http://bit.ly/1NMxJ54

Ana Paula Monteiro, formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP. Trabalhou como assistente de curadoria no MAC USP. Apaixonada por todo o tipo de expressão artística. Ilustradora eventualmente!


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