O mês de setembro é marcado, também, como Setembro Verde, para destacar a visibilidade e a inclusão de pessoas com deficiência.

Um marco nessa luta foi a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (PcD), em 2015, que visa proteger e garantir direitos das pessoas “que têm impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Porém, os dados da PNAD Contínua de 2022 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) mostram que cerca de 9% da população brasileira acima de dois anos possui algum tipo de deficiência e que esse grupo de 18,6 milhões de pessoas apresenta maiores taxas de analfabetismo, de desemprego e informalidade, além de menor escolaridade e renda. Para se ter uma ideia,  a taxa de participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é bem baixa, 29,2% – percentual bem menor do que o de pessoas sem deficiência, 66,4%.

Ou seja, vivemos, ainda, em uma sociedade capacitista, em que PcD são tratados como pessoas menos capazes e acabam sendo marginalizadas, além de faltar acessibilidade para que possam ser incluídas em todos os espaços.

Com o objetivo de promover a discussão sobre o capacitismo na área tech, passando por boas práticas, soluções e o que as empresas têm feito para a construção de uma tecnologia mais diversa e inclusiva para todas as pessoas, realizamos no dia 31/08, em parceria com o Grupo Boticário , o PrograMaria Encontros – Por uma tecnologia anticapacitista.

Possível adjacente: acessibilidade na vida real

Géssica Pereira, Data Scientist Specialist I no Grupo Boticário e primeira engenheira eletricista cega do Brasil, ministrou a palestra “Possível adjacente: acessibilidade na vida real”

Esse  conceito pode ser explicado na situação em que uma pessoa descobre que consegue fazer uma coisa, descobre que consegue fazer muitas coisas.

Para ela, “ideias são paredes e podem também  ser caminhos”. Ela explicou: “é como se  a cada “não”que as pessoas apresentassem, uma parede muito bem construída escrito “NÃO PODE”. E que, com o auxílio de professores, entendeu que ela conseguia, sim, se formar engenheira e, a partir daí, foram possíveis adjacentes, pois descobriu que podia muito mais.

Falou ainda que construir caminhos e desconstruir paredes dá trabalho, mas que é muito melhor quando se tem pessoas que se importam e “dão um jeito” para ajudar a pavimentar esses caminhos. Finalizou trazendo a acessibilidade atitudinal como a saída para a construção desses caminhos. Ela representa as decisões que as pessoas tomam sem fazer força. Precisa ser intencional e contínua. E precisa estar enraizada nas pessoas. Destacou, ainda, a importância dos líderes como agentes de mudanças corporativas.

Como o Grupo Boticário usa o Design Inclusivo no desenvolvimento de produtos

Na sequência, Juliana Gonçalves, Product Designer Specialist I no Grupo Boticário   apresentou a palestra “Como o Grupo Boticário usa o Design Inclusivo no desenvolvimento de produtos”, com. Nela, trouxe  a definição de “design inclusivo”, de Nielsen Norman Group: a conexão entre design universal, acessibilidade e diversidade, e falou um pouco sobre as iniciativas que possuem no Grupo Boticário:

  1. A construção de time é diversa.
  2. Tema em evidência o tempo todo.
  3. Ter um time focado em design inclusivo.
  4. Treinamento de diversidade, acessibilidade, etc.
  5. Documentação de acessibilidade.
  6. Garantia de que todas as pessoas são representadas nos processos.

Painel: Por uma tecnologia anticapacitista

Por fim, fechamos com o Painel “Por uma tecnologia anticapacitista”, com Janaína Bernardino, Product Designer Specialist II no Grupo Boticário, Tatiana Barros, Developer Relations Manager (relações com pessoas desenvolvedoras e comunidade técnica) na Meteor Software, Gisele Marques, Cofundadora do Café com Ellas e mediação de Simara Conceição,  Desenvolvedora na Thoughtworks.

Entre tantas importantes falas e provocações, gostaríamos de ressaltar algumas que nos inspiram a continuar essas reflexões, discussões e, principalmente, a gerar ações em relação ao tema:

Gisele:

“Uma API ela não nasce capacitista ou tendenciosa para qualquer outro recorte social. Ela aprende a ser. Conforme a alimentação de dados que ela recebe.”

“A tecnologia tem a oportunidade, tem uma gama de ferramentas para produzir caminhos possíveis. Mas o fio condutor sempre será o ser humano. O ser humano constrói a tecnologia. O ser humano faz uso da tecnologia.”

“Acessibilidade funciona para pessoas. Ponto.”

“Diversidade e inclusão não é suficiente. prefiro adotar uma terminologia, uma sigla, que  é composta em 4 pilares: Inclusão. Diversidade. Equidade e Acessibilidade (IDEA).”

Janaína, sobre o susto quando passou a ser usuária de leitor de tela: “Eu já sabia que era ruim, né? […] Mas eu descobri que era péssimo”.

“Eu perdi a visão, não o cérebro e agora não consigo fazer uma coisa tão boba?”.

“A gente ainda tem que lutar com essas barreiras, o capacitismo, de achar que pela nossa característica ou pelo nosso laudo a gente vai ter uma capacidade inferior de entrega e vai trabalhar menos e não vai ser produtivo.”

“A gente tem que falar muito sobre isso, pra tirar esse viés inconsciente e essas crenças super limitantes de que a gente não é produtivo, que a gente é café com leite.”

Tatiana: “O capacitismo, ele não é só vindo de ferramentas e plataformas que não estão preparadas, mas ele também é uma forma cultural de separar pessoas e de diminuir alguém.”

“ Na seleção de currículo, precisamos pensar como os algoritmos desfavorecem essas lacunas de emprego para pessoas com deficiência, pessoas neurodiversas.”

“Como criar uma cultura anticapacitista e eu, enquanto uma pessoa de tecnologia, já começaria mexendo na inteligência artificial e nesses algoritmos hoje no mercado que fazem a pré-avaliação antes de uma entrevista.”

Foram tantas falas potentes que foi uma missão difícil escolher apenas algumas para compor esse texto. Para quem quiser acompanhar a discussão na íntegra, o PrograMaria Encontros – Por uma tecnologia anticapacitista ficou gravada e está disponível no canal do youtube da PrograMaria.

E aí, vamos juntes construir uma tecnologia anticapacitista?

Quer conhecer outros painel da PrograMaria? Saiba como foi o painel O que pessoas tecnologistas precisam saber sobre o impacto das IAs Generativas que aconteceu no PrograMaria Summit 2023.

Texto por Raissa Ogashawara Revisão por Iana Chan