Quando falamos em violência, o mais comum é pensarmos em violência doméstica (aquela que pode ser denunciada pela Lei Maria da Penha) ou em violência sexual. Mas essas não são as únicas formas de violências existentes. Infelizmente, o constrangimento, a coerção e a violação de direitos básicos podem acontecer de diversas maneiras e em diferentes esferas.

Você já levou uma cantada de baixo calão na rua? Já foi assediada por alguém no trabalho? Ganha menos do que seu colega homem e sente que confiam mais nele do que em você? Já ouviu que ‘mulher no volante, perigo constante’? Já ficou incomodada com o jeito com que (re)tratam as mulheres nos comerciais? Se respondeu “sim” para qualquer uma dessas questões, você – como a esmagadora maioria das mulheres – já sofreu violência de gênero.

Gosto muito desta definição:

“A violência é uma das mais graves formas de discriminação em razão de sexo/gênero. Constitui violação dos direitos humanos e das liberdades essenciais, atingindo a cidadania das mulheres, impedindo-as de tomar decisões de maneira autônoma e livre, de ir e vir, de expressar opiniões e desejos, de viver em paz em suas comunidades; direitos inalienáveis do ser humano.” (Maria Amélia de Almeida Teles e Mônica de Melo, no livro “O que é violência contra a mulher”)

Ela quer dizer que violência não acontece só quando há agressão física ou um trauma a carregar pelo resto da vida, como o estupro. Pelo contrário: são as pequenas e sutis violências do cotidiano que dão base para aquelas existirem e persistirem na nossa sociedade.

"Mulheres não deveriam mais sofrer discriminação" A ONU lançou uma campanha incrível para denunciar essas violências usando buscas frequentes no Google. Crédito: Memac Ogilvy & Mather Dubai

“Mulheres não deveriam mais sofrer discriminação.”
A ONU lançou uma campanha incrível para denunciar essas violências usando buscas frequentes no Google. Crédito: Memac Ogilvy & Mather Dubai

O Brasil é o 5° país que mais mata mulheres no mundo (em um ranking com 83 países). Também registramos um estupro a cada 11 minutos. Uma em cada quatro mulheres sofre violência (física, moral, sexual, psicológica) na hora do parto. Ganhamos, em média, 74,5% do que os homens ganham para fazer o mesmo trabalho. Nenhum desses fatos surge da noite para o dia. Maridos matam esposas, homens estupram meninas e mulheres e chefes pagam menos suas funcionárias porque… podem. Ou sentem que podem.

Vivemos em uma sociedade que atribui um peso muito diferente para ser homem ou ser mulher – e geralmente ser homem leva vantagem. São as chamadas violências simbólicas e institucionais. Acontece quando entendemos que homens devem ser fortes e mulheres frágeis; que eles podem usar sua sexualidade desde cedo e nós temos que resguardá-la; que eles brincam de engenheiro e nós só de boneca; e por aí vai.

É surreal quando você para para pensar nisso. As mulheres no Brasil não podiam votar até 1932! Você não acha isso uma violação de um direito básico (e logo, uma violência)? Hoje parece óbvio, mas foi uma conquista suada. Podiam nos matar para “lavar a honra com sangue”, nos acusavam de querer destruir os pilares da sociedade, e muitos desses argumentos se repetem até hoje.

Se você sentia que matemática, tecnologia ou ciência não eram para você, há uma forte chance do motivo ser toda essa narrativa cultural que insiste em dizer o que a mulher pode ou não fazer. Por isso, mulher, rebele-se: aprenda tudo o que não queriam que você aprendesse. Seja a mulher dos seus sonhos. A lei Maria da Penha é de essencial importância, sim, mas queremos uma sociedade em que ela não seja necessária. Uma sociedade que não violente suas mulheres. E se é através dos detalhes que a violência se sustenta, é pelo mesmo caminho que ela vai cair. Estamos juntas.


*Momento auto-merchan: se você quer saber mais sobre os diferentes tipos de violência contra a mulher, você pode ler meu livro “Ao redor”. Ele está disponível em http://bit.ly/aoredor. Também vale a pena acompanhar meu blog, em http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/nana-soares/, onde faço reflexões sobre gênero e violência.


Nana Soares é jornalista formada pela ECA-USP. Escreveu um livro sobre violências contra as mulheres e é atenta para essa questão desde que se entende por gente. É ávida em apontar as desigualdades do cotidiano e quer mostrar que feminismo não é um palavrão.

Fernanda Ozilak é designer e ilustradora formada pela FAU-USP. Seu trabalho pode ser visto em http://cargocollective.com/fernandaozilak